Carlos Sá: “Temos que ter a capacidade de separar o trigo do joio” – Departamento de Marketing

Carlos Sá: “Temos que ter a capacidade de separar o trigo do joio” – Departamento de Marketing

Numa manhã que se adivinhava chuvosa, mas que surpreendeu no momento de iniciar os 3 quilómetros de conversa, desta vez, o podcast Walking Meeting decorreu nos jardins da Gulbenkian. Foi nestes jardins que conversámos sobre certificação de profissionais de Marketing com Carlos Sá. Um cenário quase perfeito, mas por ser bem no centro da cidade o ruído de fundo de carros e aviões acompanhou a nossa conversa.

Para quem prefere ler, contamos-lhe aqui tudo o que falámos na nossa walking meeting. Pode sempre calçar os ténis, colocar os auriculares e ouvir o podcast enquanto caminha.

Quem é Carlos Sá?

Com 30 anos de experiência, apresentar Carlos Sá, não é uma tarefa fácil. Costuma brincar e dizer que entrou como estudante no IPAM — Instituto Português de Administração de Marketing — e nunca mais de lá saiu. Hoje, como professor das disciplinas de Estratégia de Marketing e Simulador de Marketing, afirma que ao dar aulas continua a aprender todos os dias. E esse é um dos principais motivos pelos quais gosta de o fazer, é a dar aulas que continua a atualizar-se, algo tão importante nos tempos de hoje para um Marketeer. Foi ainda nesta instituição que assumiu os cargos de diretor de marketing, diretor-geral e também de administrador.

Atualmente, é presidente da APPM — Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing e Chief Marketing Officer na Talent SGPS — Individuality Through Education, que tem várias unidades de ensino em Portugal e no estrangeiro, desde o ensino pré-escolar ao ensino superior. No fundo, todo o seu percurso profissional de Marketing tem evoluído neste sector, o da Educação.

Satisfação e frustração

Eleito presidente da APPM em março de 2021, conta-nos, num tom confessional, que a experiência traz-lhe um misto de satisfação e frustração. Considera que a associação se encontra agora no caminho certo. Este ano, conseguiu já fazer muitas alterações que, mesmo que não sejam visíveis aos olhos do público, foram essenciais para agora conseguir chegar mais perto dos profissionais de Marketing e com uma abordagem diferente. Tem sido um ano de “fazer o trabalho de casa”, ou seja, reorganizar sistemas, processos, equipas, formas de trabalho, etc. O diagnóstico está concretizado e permitiu-lhes chegar aos 6Cs (Comunidade, Conferências, Conhecimento, Competências, Carreira e Certificação) e assim, criar uma “embalagem” que lhes permite saber exatamente aquilo que têm que executar. Por outro lado, há alguma frustração pela limitação de recursos que impede que a execução seja tão rápida quanto gostaria.

Quais são os desafios dos Profissionais de Marketing em Portugal?

Quando lhe perguntámos quais são os grandes desafios dos profissionais de Marketing em Portugal, a resposta não se fez esperar, “Conhecimento e Certificação”.

Em termos de conhecimento, Carlos Sá sabe que há milhares de eventos e conferências que o proporcionam, mas sentiu a necessidade de criar momentos mais pequenos e segmentados.

Depois, há a questão da certificação. Sente que há necessidade, não de excluir, mas de fazer o reconhecimento para o exercício da profissão. Sendo a função de marketing tão livre e abrangente, acredita que, mais que reconhecer aqueles que têm ou não as competências para o exercer, é necessário distinguir aqueles que têm as competências efetivas e o exercem de uma forma sistemática em diferentes áreas ao longo de uma carreira ou que contribuem seja através de conferências, de artigos ou de livros.

“Há muitos profissionais de marketing com especificidades e com áreas de abrangência muito diferentes, portanto, tudo é marketing, podemos fazer todos, estamos todos habilitados da mesma forma. Podermos ter uma certificação, é algo que só valoriza todas as pessoas que exercem a sua função na área do marketing”, explica.

Esta certificação já existe na APPM, “mas com esta nova direção, queremos torná-la mais sistemática e organizada”. No fundo, “uma versão 2.0, com uma reorganização de pequenos detalhes no processo e, eventualmente, até uma alteração de nomenclatura dos certificados emitidos. A novidade é que “ao longo destes meses também estivemos a trabalhar com a European Marketing Confederation, portanto, podemos ter também a oferta do certificado Senior Marketing Profissional, reconhecido a nível europeu”, acrescenta.

Quem são os profissionais de Marketing

“Em casa de ferreiro, espeto de pau”, como se costuma dizer. A APPM não tem informação de quem são hoje os profissionais de marketing de forma sistematizada até porque é difícil definir “o que é um profissional de marketing”. Há bases de dados que indicam não mais de 3.000 profissionais, número que é claramente irrealista.

“Incluo os vendedores como profissionais de Marketing, embora num exercício diferente”, portanto, “se considerarmos como  profissionais de marketing, quem trabalha nas agências ligadas ao marketing, os vendedores e aqueles que trabalham na área digital, ou seja, todos aqueles que, de alguma foram dão o seu contributo ativamente nestas áreas ou adjacentes, temos cerca de meio milhão de profissionais”.

Uma Comunidade de Profissionais de Marketing

Ainda que informalmente, Carlos Sá considera que os profissionais de Marketing representam uma comunidade que “partilham ideias, contributos, mantêm ligação às universidades ou às escolas.” “Organizadamente desorganizados, nós (os profissionais de Marketing) temos iniciativa sempre que alguém quer fazer algo.”

A APPM quer ser dinamizadora deste mercado e conseguir juntar estas pessoas de forma mais organizada. “Queremos ajudar a que os próprios se interessem mais pelo marketing, conheçam melhor as funções ocultas do marketing, aquelas que são menos sexy, e que não aparecem no social media, nem nas revistas.”

Em que se traduz, afinal, o Marketing?

Um dos motivos pelos quais ter uma comunidade mais organizada é importante, é para se poder melhor perceber o que é afinal Marketing.

Na APPM, “queremos trabalhar um conjunto de iniciativas e de atividades que ajudem a esclarecer melhor sobre qual é o papel da função de marketing e qual é o contributo que o marketing pode dar para a sua própria atividade”.

Segundo conta, a própria história da APPM é reveladora do quão mal interpretado pode ser o Marketing. A APPM nasceu de um conjunto de profissionais, nos anos finais dos anos 60. Na altura, o então grupo industrial CUF selecionou um conjunto de Quadros para fazer um curso nos Estados Unidos. Uma das disciplinas que estes Quadros tiveram foi a de Marketing. Entusiasmou-os tanto que quando chegaram a Portugal quiseram criar algo onde pudessem continuar a desenvolver esses conhecimentos, ou seja, a falar, a perguntar, a questionar e a refletir sobre o tema. Quiseram, então, criar a sociedade portuguesa de Marketing. Na altura, por não haver tradução para a palavra Marketing, o Ministério da Educação não sabia o que era. Assim, aquilo a hoje chamamos Associação Portuguesa de Profissionais de Marketing foi inicialmente chamado de Sociedade Portuguesa de Comercialização.

“Isso é só Marketing”

“Nas últimas eleições autárquicas, num debate entre 2 candidatos a uma autarquia importante de Portugal um candidato referiu-se ao outro em tom acusatório, dizendo “você é um excelente diretor de marketing”, conta-nos Carlos Sá, para exemplificar como é comum considerar-se o Marketing como algo mau e enganador. “O mais curioso é que quando esse candidato ganhou toda a gente disse que parte do sucesso da eleição foi a estratégia de marketing. Em que ficamos afinal, é mau ou é bom?”, questiona.

Para combater este preconceito, uma das ideias da APPM é fazer uma espécie de campanha que ajude a que toda a gente perceba melhor o que é o marketing, para que estas questões não se voltem a colocar.

A Inês concorda que existe esta ideia e acrescenta que considera que “nós, profissionais de marketing, nos expressamos mal, empregamos demasiados termos em inglês e vamos atrás de palavras da moda e de novos conceitos, o que faz com que a maioria das pessoas que estão à nossa volta, mas não tão dentro, não nos sigam.” Acredita que um dos exercícios necessários é o de simplificar a linguagem. Até porque “o marketing não é uma disciplina fechada”.

A verdade é que toda a gente dentro de uma empresa vende e faz Marketing. Não podemos reduzir o Marketing a um departamento e é importante que haja uma consistência no comportamento de toda a empresa.

Também a APPM precisa que os seus “adeptos” se tornem “sócios”

Inês comenta que já trabalha em Marketing há 25 anos e só há cerca de um, se tornou sócia da APPM. Conta que no dia que “lhes bateu à porta (da APPM), a porta escancarou-se”. Hoje em dia, quando tem uma questão já os contacta, mas, até há bem pouco tempo não estavam no seu top of mind.

Carlos Sá explica que a associação já teve mais relevância que aquela tem agora. Considera que nos últimos 10 anos deu-se um fenómeno que “veio dispersar a coisa”, o fenómeno daquilo a comummente se chama Marketing Digital. Isto veio baralhar sobre quem é quem? “Será que uma pessoa que faz uma, ou duas vezes por semana, uns posts nas redes sociais é também um Marketeer? Devemos certificá-lo como profissional ou não?”, pergunta. O mercado modificou-se o que dificulta ainda mais manter o foco.

Isto significa que é chave tornar a marca APPM mais relevante, mostrar a sua utilidade para os profissionais, sem esquecer a limitação de recursos. Todos aqueles que colaboram com a associação, fazem-no a título probono e o financiamento é baixo. Para tornar a marca mais relevante, considera que seria importante uma campanha para mostrar aos potenciais associados os benefícios de integrar esta comunidade, que vão desde o acesso ao conhecimento até a ajuda na carreira. “Tal como um presidente de um clube de futebol, gostava de pedir que os adeptos tornassem sócios, para sermos maiores.”. Um valor simbólico de quota de 65 euros por ano para os profissionais e 25 euros por ano para os estudantes, e que em troca oferece a todos a possibilidade de uma profissão mais reconhecida e mais valorizada. Parece-nos inquestionável.

Como se distingue um potencial bom profissional de Marketing

Na atual composição de sócios da APPM, uma grande fatia são estudantes. Algo que vê como uma mais-valia, já que os profissionais que se formam hoje, são bastante diferentes daqueles de há 20 ou 10 anos. Uma das diferenças mais evidentes é a forma como analisam as métricas. Hoje em dia, os mais novos têm a capacidade de fazer a segmentação de mercado com variáveis que antes não se utilizavam, como psicográficas e de estilo de vida, em vez de demográficas. Acabam também por dominar melhor as ferramentas tecnológicas, que hoje são imprescindíveis.

Sendo professor, todos os anos contacta com cerca de 200 a 250 estudantes de Marketing, de todas as nacionalidades. A experiência permite-lhe perceber com antecedência quais são os que virão a ser profissionais de excelência. Na sua cadeira de Estratégica de Marketing, normalmente, são aqueles que fazem as perguntas não convencionais e que não têm medo de perguntar. Na cadeira de Simulador de Marketing, “são aqueles que respondem de uma forma inequívoca, e sabem justificar por que é que aconteceu aquele resultado.

Quem Carlos Sá convidaria para uma Walking Meeting?

Como é habitual, perguntámos a Carlos Sá com quem gostaria de fazer uma Walking Meeting e a sua resposta foi, com António Costa, seja o primeiro-ministro, seja o Ministro da Economia. Gostaria de partilhar com eles as suas preocupações sobre o rumo do nosso país.

Zero Indiferença

No Departamento de Marketing, todos os meses escolhemos uma causa para apoiar, seja com tempo, géneros ou donativos. Uma iniciativa que se juntou ao podcast, onde se convertem os quilómetros feitos em dinheiro para apoiar uma pessoa, uma causa ou uma instituição à escolha do nosso convidado.

Carlos Sá pediu-nos que o contributo fosse dado em nome da APPM e considera que estará bem entregue a qualquer instituição que esteja a dar apoio às vítimas da guerra na Ucrânia.

Mais sobre Carlos Sá e a APPM
Referências feitas no podcast

www.talent-sgps.com

www.ipam.ucla.edu